EDUCAÇÃO DE QUALIDADE: UMA MERCADORIA PARA POUCOS OU DIREITO DE TODOS OS CIDADÃOS?
Estamos chegando a mais um período eleitoral e por causa disto nossos sistemas auditivos e visuais serão inundados por propaganda feita pelos diferentes candidatos tentando nos convencer de que fizeram, ou que ainda farão, muito em prol da educação. Contudo, uma análise mínima das ações que foram executadas, seja por candidatos ainda em mandato, ou por outros que já estiveram nessa condição, mostrará que a despeito de anúncios caros, a propaganda não combina com a realidade. Afinal de contas, o que os indicadores criados para medir a qualidade da educação mostram é que há uma piora em todos os níveis, e que, salvo raríssimas exceções, não existem políticas em execução para garantir a qualidade do ensino e a valorização dos profissionais da educação.
Um risco que se corre toda vez que tratamos desse assunto é o de culpar os governantes de uma forma genérica, o que implicaria dizer que as políticas de desestruturação da escola pública de qualidade são fruto de vontades ou caprichos pessoais, e que bastaria substituir fulano por beltrano para que finalmente o Brasil pudesse ter um projeto político voltado para o oferecimento de ensino público de qualidade para todo o seu povo. Infelizmente, não estou entre aqueles que enxergam a degeneração da escola pública (desde o ensino elementar até a educação superior) como resultado de vontades pessoais. Pelo contrário, credito aos problemas estruturais o destino desafortunado que a educação pública sempre teve no Brasil. Entre as questões que fogem ao plano das veleidades pessoais deste ou daquele governante eventual está a condição de economia dependente que, desde os tempos coloniais, nos colocou como uma região de sacrifício destinada a ser explorada à exaustão e, por conseqüência, ter um povo inculto e politicamente desorganizado.
Além disso, um aspecto aprofundado pelas transformações ocorridas na economia mundial foi a passagem da educação do campo dos direitos fundamentais do ser humano à categoria de serviços, o que implicou na sua transformação em mais uma mercadoria. Isto fez com que se oficializasse a visão de que educação de qualidade é só para aqueles que podem pagar, restando aos pobres freqüentar escolas em péssima condição onde labutam trabalhadores desvalorizados profissionalmente, e obrigados a enfrentar uma carga sobre-humana de trabalho para garantir um mínimo de renda digna.
No entanto, apesar destes elementos estruturais, não há como deixar de apontar que determinados governantes cumprem um papel bastante arrojado no sentido de contribuir com este projeto de privatização da educação pública. Vejamos, por exemplo, o governador Sérgio Cabral e sua política de financiamento das universidades e escolas técnicas estaduais. Cabral em sua campanha anterior foi à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e assinou uma carta compromisso se comprometendo a ampliar o financiamento da instituição e a valorizar seus profissionais. No entanto, apesar de ter sido filmado assinando o documento, quando eleito continuou a política de asfixia financeira dos governos anteriores. E, pior, vem tentando (com o entusiasmado apoio da Reitoria da UERJ) avançar o processo de privatização que tem hoje como sua ponta de lança o Hospital Universitário Pedro Ernesto. Também no caso da UENF, o governo Cabral tem acelerado o processo de sucateamento ao limitar drasticamente o teto orçamentário que a instituição deve receber anualmente. E aqui, como na UERJ, os resultados são desastrosos, pois várias áreas estratégicas estão sendo comprometidas, isto sem falar na evasão de profissionais atraídos pelos melhores salários pagos pelas universidades federais e pela iniciativa privada. Mas para não me concentrar somente no plano estadual, devo dizer que no município de Campos o tratamento dado à educação tampouco é animador. A verdade é que se dermos uma rápida olhada no que tem feito o governo Rosinha, veremos que enquanto se gasta milhões em serviços terceirizados de merenda, dezenas de escolas rurais são fechadas, um plano de cargos e salários prejudicial é imposto aos servidores da educação e, ainda por cima, centenas de concursados (que já poderiam estar trabalhando nas escolas municipais) são deixados na rua da amargura.
Neste sentido, longe de ser algo acidental, a amálgama que mistura precarização com privatização imposta pelas diferentes escalas de governo à escola pública, de fato, espelha o descompromisso que as elites brasileiras têm para com o estabelecimento de uma sociedade mais democrática em nosso país. Afinal de contas, mais do que ninguém os seus membros sabem que uma condição essencial para a manutenção de um exército de eleitores mansos e despolitizados é que as pessoas sejam mantidas na escuridão da ignorância de seus próprios direitos. É por isto que a escola pública de qualidade causa tanto pavor e merece dos governantes um tratamento tão indigno. O maior problema com este cenário é que ao mantermos a educação de qualidade restrita aos setores mais abastados da sociedade brasileira, estamos condenando milhões de seres humanos a viverem eternamente em condições abjetas e sem quaisquer possibilidades de um futuro melhor. Mas como para toda ação há uma reação, ao aceitar este quadro de forma passiva, automaticamente nos condenamos a viver isolados e amedrontados com o que os destituídos poderão nos fazer de ruim.
Marcos Pedlowski é Chefe do Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico do Centro de Ciências do Homem e Presidente da ADUENF